sexta-feira, 1 de junho de 2018

O MENINO


O menino
                                              Ledo Vaccaro Machado


Não havia saída. Teria que esperar por três horas o próximo voo para Salvador. Arquiteto por formação e profissão, tinha que apresentar um projeto na manhã seguinte, numa cidade próxima à capital da Bahia. Assentei-me como pude. Teria que olhar para aquele relógio pendurado no teto por três horas. Como se não bastasse, o relógio registrava os segundos. Relógios que registram segundos demoram mais que os que não o fazem.
Alguns apelam para palavras cruzadas, outros giram os polegares e eu, como o vício do cachimbo entorta a boca, traço em folhas de papel as formas que se me apresentam no ambiente que é alcançado pelas retinas. Lápis e papel na mão, registrava dois lances de escada e uma escada rolante que surgiram a minha frente. Mal traçara as primeiras linhas, deparei-me com uma questão que me intrigou: quantos degraus deveria desenhar na escada rolante? Em vão, tentei contar os degraus visíveis. Se a escada parasse, poderia contá-los. Tive ímpetos de apertar o botão vermelho próximo ao corrimão, onde se lia “PARAR”. Meu censurador não permitiu que o fizesse. Fiquei ali, inerte, com o cachimbo na mão e sem poder fumar.
Um menino sentou-se ao meu lado, brincando com uma bolha de sabão. Sem tirar os olhos da bolha, ela disse em voz clara e pausada:
– Pepino não parece “inreal”?
Olhei-o, ligeiramente, com o canto dos olhos e, sem nada dizer, retornei ao meu cachimbo apagado. Alguns instantes depois, senti minha camisa ser puxada e escutei novamente:
– Pepino não parece “inreal”?
Dessa vez, com uma mão segurando a bolha e com a outra puxando a minha camisa, ele me olhava firmemente.
– Não é “inreal”, é irreal.
– Pois é, não parece?
Aquela insistência irritou-me. Eu, diante do mais intrincado problema da existência humana –quantos degraus ficam visíveis quando a escada rolante para – e aquele menino me questionando sobre a realidade de um pepino! Tentando dissuadi-lo, resolvi apresentar-lhe a complexidade do problema que me afligia.
– Olha, menino, estou tentando desenhar aquelas escadas e não sei como acabar o desenho da escada rolante. Quantos degraus devo desenhar? Meu desenho está parado e a escada está subindo. Se a escada parasse de repente, quantos degraus ficariam visíveis?
Sem nada dizer, colocou a bolha de sabão sobre a cadeira, subiu e desceu um dos vãos da escada. Apontando para o relógio, disse:
– Eu desço a escada duas vezes mais rápido do que subo.
E repetiu sua viagem ao vão da escada, mostrando-me que, no mesmo tempo em que dava um passo para subir, dava dois para descer. Novamente sem nada dizer, começou a subir a escada rolante, contando os passos: um, dois, três, ..., num total de vinte passos. Do alto da escada, olhou-me como quem estivesse fazendo a mais óbvia das coisas, e começou a descer a mesma escada rolante, contando os passos: um, dois, três, ..., num total de trinta e cinco passos. Em seguida tomou o lápis e o papel de minhas mãos e completou, com traços infantis, o meu desenho. Nenhum censurador poderia me conter. Levantei-me bruscamente e apertei o botão vermelho. Ansioso, comecei a contar os degraus. Para meu espanto, correspondia ao desenho do menino.

Quantos degraus o menino desenhou?

Vamos à resposta:

Vamos tomar como unidade de tempo o tempo no qual o menino dá um passo subindo a escada. Seja n o número de degraus da escada rolante que desaparecem (ou surgem) na unidade de tempo. Como o menino deu 20 passos para chegar ao topo da escada, ele demorou 20 unidades de tempo. Isso significa que desapareceram 20n degraus. Chamando de N o número de degraus visíveis, temos:


O menino deu 35 passos para descer a escada rolante (que sobe). Lembremos que a frequência de seus passos é duas vezes maior na descida que na subida. Ou seja, o tempo de dar dois passos descendo é igual ao de um passo subindo. Cada passo na descida demora 1/2 da unidade de tempo. Ele demorou 35/2 unidades de tempo para descer a escada. Isso significa que surgiram degraus novos. Assim,


Igualando (1) e (2):


  O menino desenhou 28 degraus.