O
menino
Ledo
Vaccaro Machado
Não
havia saída. Teria que esperar por três horas o próximo voo para Salvador.
Arquiteto por formação e profissão, tinha que apresentar um projeto na manhã
seguinte, numa cidade próxima à capital da Bahia. Assentei-me como pude. Teria
que olhar para aquele relógio pendurado no teto por três horas. Como se não
bastasse, o relógio registrava os segundos. Relógios que registram segundos
demoram mais que os que não o fazem.
Alguns
apelam para palavras cruzadas, outros giram os polegares e eu, como o vício do cachimbo
entorta a boca, traço em folhas de papel as formas que se me apresentam no
ambiente que é alcançado pelas retinas. Lápis e papel na mão, registrava dois
lances de escada e uma escada rolante que surgiram a minha frente. Mal traçara
as primeiras linhas, deparei-me com uma questão que me intrigou: quantos
degraus deveria desenhar na escada rolante? Em vão, tentei contar os degraus
visíveis. Se a escada parasse, poderia contá-los. Tive ímpetos de apertar o
botão vermelho próximo ao corrimão, onde se lia “PARAR”. Meu censurador não
permitiu que o fizesse. Fiquei ali, inerte, com o cachimbo na mão e sem poder
fumar.
Um
menino sentou-se ao meu lado, brincando com uma bolha de sabão. Sem tirar os
olhos da bolha, ela disse em voz clara e pausada:
–
Pepino não parece “inreal”?
Olhei-o,
ligeiramente, com o canto dos olhos e, sem nada dizer, retornei ao meu cachimbo
apagado. Alguns instantes depois, senti minha camisa ser puxada e escutei
novamente:
–
Pepino não parece “inreal”?
Dessa
vez, com uma mão segurando a bolha e com a outra puxando a minha camisa, ele me
olhava firmemente.
–
Não é “inreal”, é irreal.
–
Pois é, não parece?
Aquela
insistência irritou-me. Eu, diante do mais intrincado problema da existência
humana –quantos degraus ficam visíveis quando a escada rolante para – e aquele
menino me questionando sobre a realidade de um pepino! Tentando dissuadi-lo,
resolvi apresentar-lhe a complexidade do problema que me afligia.
–
Olha, menino, estou tentando desenhar aquelas escadas e não sei como acabar o
desenho da escada rolante. Quantos degraus devo desenhar? Meu desenho está
parado e a escada está subindo. Se a escada parasse de repente, quantos degraus
ficariam visíveis?
Sem
nada dizer, colocou a bolha de sabão sobre a cadeira, subiu e desceu um dos
vãos da escada. Apontando para o relógio, disse:
– Eu
desço a escada duas vezes mais rápido do que subo.
E
repetiu sua viagem ao vão da escada, mostrando-me que, no mesmo tempo em que
dava um passo para subir, dava dois para descer. Novamente sem nada dizer,
começou a subir a escada rolante, contando os passos: um, dois, três, ..., num
total de vinte passos. Do alto da escada, olhou-me como quem estivesse fazendo
a mais óbvia das coisas, e começou a descer a mesma escada rolante, contando os
passos: um, dois, três, ..., num total de trinta e cinco passos. Em seguida
tomou o lápis e o papel de minhas mãos e completou, com traços infantis, o meu
desenho. Nenhum censurador poderia me conter. Levantei-me bruscamente e apertei
o botão vermelho. Ansioso, comecei a contar os degraus. Para meu espanto, correspondia
ao desenho do menino.
Quantos degraus o menino desenhou?
Vamos à resposta:
Vamos
tomar como unidade de tempo o tempo no qual o menino dá um passo subindo a
escada. Seja n o número de degraus da escada rolante que desaparecem (ou
surgem) na unidade de tempo. Como o menino deu 20 passos para chegar ao topo da
escada, ele demorou 20 unidades de tempo. Isso significa que desapareceram 20n
degraus. Chamando de N o número de degraus visíveis, temos:
O
menino deu 35 passos para descer a escada rolante (que sobe). Lembremos que a frequência
de seus passos é duas vezes maior na descida que na subida. Ou seja, o tempo de
dar dois passos descendo é igual ao de um passo subindo. Cada passo na descida
demora 1/2 da unidade de tempo. Ele demorou 35/2 unidades de tempo para descer
a escada. Isso significa que surgiram degraus novos. Assim,
Igualando
(1) e (2):
O
menino desenhou 28 degraus.